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Querido diário,

  Hoje eu saí da terapia confuso. Estou muito próximo de mim mesmo para poder me enxergar. Por vezes, enquanto eu ouvia meu terapeuta, eu tinha a sensação de distanciamento físico para ao menos começar a desenhar meu perfil. Porém, há o tempo. Como posso ter uma opinião sobre mim se ainda estou vivo e precisaria de décadas morto para poder me entender? 
  Jamais saberei quem sou. Sobretudo por não acreditar nas tantas narrativas analisadas para explicar minha existência. Eu não sou. Eu não tenho escolha. Eu não tenho como escolher porque eu não existo. 
  Há o corpo. O corpo é o grande enigma. Quero resolver o corpo, mas ele tem seus próprios planos. Quando quero comer, um dente dói. Depois outro, e outros. É que meu esqueleto quer sair, assim como os dentes saíram. Tudo que será exposto será osso.
  Que ser medonho o corpo -  com sua mudança lenta, quase silenciosa. Eu já achei estar dentro dele, ou ser ele. Mas não, eu não sou orgânico. Também não sou alma, esta palavra bonita que não precisa de medicamentos para dormir. Eu sei, ela não dorme: pois ela é apenas uma palavra. Muitas vezes, eu escrevi: dorme, alma. E nada. 
  O que resta é sinapse aleatória, descarga de adrenalina e seio maxilar inchado.

  - AR