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MEU DOMINGO


Relato para um amor perdido

A crença
Meu corpo cria em ter seu corpo morrido dadas as distâncias
geográficas e temporais. Meu corpo também cria em ter seu corpo morrido
pois ao fechar meus olhos eu via claramente meu punhal perfurar seu colo e o jorro
de seu sangue vibrava letal.

O fato
Recentemente, ao fechar os olhos, você voltou vivo, perto e eterno.
Nunca houve outra verdade.

O ato
Passeio pela cidade e sinto você implicado neste movimento - uma aura, um espectro ou talvez
uma esperança. Desta forma vou ao shopping com você e compro uma calça calvin-klein
que você gosta. Digo-lhe ao ouvido que lavagem maravilhosa desta calça.
Vamos tomar um café e depois comprar um livro de poesias?

- AR




Memória*

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

- Carlos Drummond de Andrade



*Compramos o livro com este poema.
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O que se move
de prima?

O chão sob meus
pés
ou as estrelas
acima?

- Adriano Espínola
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my sweet little pill: ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina

- troye sivan &  joão cabral de melo neto 




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but oh! that deep romantic chasm

- coleridge
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saturday vibe


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estátuas de gestos imprevisíveis

- sophia de mello breyner andresen
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em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história o universo

- maiakóvski
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Inútil apanhado

O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano

- Maiakóvski
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todos as manhãs
por uma fresta proposital
um filete de sol tatua
ele morreu em minha pele

eu acaricio ele morreu
e digo não, fui eu


- AR
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amo-te com o cérebro em ferida
- daniel faria
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Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim

- Daniel Faria
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olhos ophelicos! dois soes
- antónio nobre
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Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.

- Daniel Faria
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e os annos irão passando
- antónio nobre
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Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
De quem não espera recado.

- Daniel Faria
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ir seguindo na dúvida das horas apagadas
- pablo neruda
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eu sou um cemitério estranho
- charles baudelaire
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Escrevo-te esta à luz dos disparos de canhões...
- Richard Flanagan
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Aquele amor aflito, parece que eu exorcizen.
Ao lembrar dele, antes príncipe, ouço o salto do sapo
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- AR
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sobre nosso adeus

você talvez não saiba que
quando você fechou a porta
eu fiquei a contemplá-la
por um vasto momento

pois aquela porta fechada
não parecia ter sido fechada
ela estava aberta e permanece aberta
mas talvez você não saiba


- AR
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Em certas posições vêem-se as cordas
do nosso espírito esticadas num terraço.

- Luís Miguel Nava
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É esse céo um lago,
E tu, reflexo vago
D'um sol, como o que eu trago
No seio, onde o afago,
No seio, onde o aperto?
  Oh luz orphã do dia!
Que mystica harmonia
Ha n'essa luz tão fria,
E a sombra que me guia
N'este areal deserto!

- João de Deus
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Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões

- Antero de Quental
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tu avançarás na corda bamba
- harold pinter
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Do meu livro de colorir. Páginas 97 e 124 
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[para d.]


em todas as minhas dobras
encontro um d
em todos os meus nervos
encontro um n
em todas as minhas artérias
encontro um a

em toda anatomia
encontro letras perdidas
de seu nome


- AR
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Sim, o amor veio e fez sua saudação. Não foi cortês nem bruto, não se apresentou como uma mudança de estação. Foi qualquer coisa como a entrada do fantasma de Platão no esqueleto de Aristóteles.
- Matilde Campilho


E eu divago:

Sim, o amor veio e fez sua saudação. 
Foi a princípio cortês 
mas bruto 
bastante bruto ao sair.

Não se apresentou como uma mudança de estação 
e sim como todas as mudanças de estações 
e a cada hora em que esteve aqui. 

Foi qualquer coisa 
como a entrada do fantasma de Alberto Caeiro no esqueleto de Álvaro de Campos, 
como a entrada do fantasma de Álvaro de Campos no esqueleto de Ricardo Reis, 
como a entrada do fantasma de Ricardo Reis no esqueleto de Fernando Pessoa. 

- AR
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algo virá para não ser visto
e toda sua existência
será isto


- AR em 1998
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aonde eu desejo ir, você jamais irá
não haverá ticket para lá

não haverá livro ou música
meditação ou reza
álcool ou droga

não haverá nicotina
a mediar

tampouco as telas de turner
farão você chegar aonde eu quero ir

as fotos de suas viagens
se postas no instagram para eu invejar
saiba
nenhuma delas
é de lá


- AR
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acho que, quando a gente telefona
fora de época, é porque está dando
uma ligadinha para o passado. não
para a pessoa realmente.

- matilde campilho
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- I thought I had another 20 years.
- But we do not know the hour, do we, Francis?

in Wolf Hall
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don't explain by its name
- sophie ellis-bextor
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